novembro 21, 2020

Re

     Foi uma longa e demorada década. Foram dias, semanas e meses incontáveis. Foram tardes, e outonos e primaveras e sons e palavras que se seguiam anos a fio, arrastados e exaustos. Foi-se a distancia, assim que houvera a possibilidade. Foi-se a mudez assim que houvera o grito de cio e não havia mais o que ponderar, medir, conter. Ele a tocou. Tocaram-se. Provaram-se e era o mesmo gosto, o mesmo cheiro, o mesmo fogo intempestivo e infinito. Nem mesmo o tempo em sua contagem tão cheia de rigor conseguiu manter-se constante naquele momento: era ontem, hoje, amanha, agora, futuro, passado – tudo ao mesmo tempo e sem inicio, fim e meio. Era um mundo a parte. Era o dia a dia pincelado pela presença. Era a poesia gravada no aroma do que não se pode deixar de lembrar, do que se faz sagrado na memória sobre momentos que não se sabe por quanto serão, por quanto haverão e que só imploram ser vividos sem meio termo, sem pausa, sem limites.

julho 21, 2020

Agenda

Olá cara agenda,
Sei que não me preocupo com você há certo tempo... Na verdade me preocupo, mas fico ensaiando para seguir seus direcionamentos e te observo sem nem saber por onde começar. Aí está você tão segura de si em seus dias pré-determinados, seus meses completos e perfeitamente definidos por sei-lá-quem. E o que falar das segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos que seguem infinitamente sem inicio meio e fim, sem pausas e recontagens nos embalando num ritmo frenético de atividades que nos levam a vida e paz. Afinal, hoje é domingo e posso descansar, mas amanhã é segunda e há o trabalho, a escola, os cursos e tudo mais. 
Eu estou aqui hoje pra falar de mim e não de você. Mas, tudo isso que vejo em você é o que mais intriga o pensamento. Como posso eu, um ser inconstante, em pleno movimento, com dias que passam e levam e trazem muita coisa, problemas, desejos e sonhos que não me cabem à mente pois transcendem a tudo que é possível medir me encaixar em suas folhas tão limitadas? São muitas páginas, muitas linhas, mas é pouco pra quem sou. 
Como posso julgar-me a ponto de definir o que é tempo desperdiçado ou jogado fora e eu preciso desse tempo para que meu pensamento e alma respire. Como definir o que eu preciso colocar em suas linhas, como? E se o mundo me diz para me organizar e gerir meu tempo (essa palavrar gerir me soa tão matemática e nada sentimental) se o tempo não é meu... é dele que me exige a todo momento, a toda experiência, a toda pessoa que passa pela minha mesa de trabalho e linha do tempo da rede social.
Tempo este que me escorre pelas mãos sem eu saber ao certo o que faço com ele. Se é meu ou do mundo. Se é livre ou é apenas o que deve ser.